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Intervenções Sustentáveis e Inteligentes

Atualizado: 8 de fev.

O CECI entende como Intervenções Sustentáveis e Inteligentes as que sobrevivem ou persistem no tempo. Para este signatário, correspondem às ações que foram aprovadas nos testes aplicados pelo laboratório do tempo. Embora toda e qualquer intervenção cause modificações no bem cultural, as realizadas com base nos procedimentos semelhantes às técnicas construtivas da edificação têm, em princípio, um saldo positivo de longo prazo maior que aquelas baseadas em resultados imediatos com produtos sintetizados pela indústria moderna. A principal vantagem dessa atitude é a da ampliação das possibilidades de se garantir a autenticidade dos componentes construtivos de uma edificação de valor cultural.


É claro que, quando se utiliza o princípio da autenticidade para nortear as ações de conservação de bens culturais penetra-se em um território de especulações teórico-filosóficas. Neste sentido, há casos emblemáticos e didáticos que estão sempre presentes nos estudos acadêmicos, como o do refazimento do barco de Teseu na estória mitológica do herói grego e o da cabeça do faraó Ramsés, no Templo de mesmo nome, em Abu-Simbel, no Egito. Ambos os casos permitem, dialeticamente, conciliar a dicotomia entre os valores de autenticidade concebidos entre o Oriente e o Ocidente.

Moita do Engenho poço comprido

Fig.. 1 – Moita do Engenho Poço Comprido. Fonte: CECI/nov2008


No caso, o CECI compreende por intervenções inteligentes aquelas que têm a capacidade de se adaptar ao meio material (e imaterial) do objeto de modo garantir um equilíbrio progressivo entre o “novo” e o antigo [i]. Ambos os termos levam ao entendimento de que, uma intervenção é sustentável, quando se garante ao objeto uma sobrevida maior, isto é, um prolongamento da expectativa de sua trajetória. Uma intervenção é inteligente quando garante a resiliência do material no longo prazo e sua capacidade de carga (uso) [ii]. Como testemunho expressivo dessas assertivas, apresenta-se a técnica antiga das alvenarias de tijolos ou de pedras argamassadas com argila, conhecidas como argamassa bastarda. Segundo ARAÚJO, ao se caracterizar, a partir de testes e análises laboratoriais as argamassas bastardas ou se estabelecer comparações com as argamassas de cal e areia, chega-se às seguintes conclusões: 1) são mais porosas; 2) são muito mais frágeis aos esforços de compressão. Entretanto, a maior porosidade do ponto de vista da conservação e da restauração dos edifícios antigos é uma virtude, porque deixa respirar os antigos muros - é justamente a alta porosidade. Pode-se concluir que uma das características mais surpreendentes dessa alvenaria é a sua pouca rigidez e, conseqüentemente, a sua capacidade de absorver acomodações de toda sorte [iii]. Foi o caso da aplicação da mesma técnica na recuperação de partes das grossas alvenarias das colunas de tijolos de barro maciços, secos ao sol (adobe), assentes com argamassa de argila e caiados no antigo Engenho Poço Comprido, em Vicência, Pernambuco (Brasil), datado do século XVII.

Aspecto das colunas em alvenaria de tijolos e detalhe da alvenaria de tijolos da moita do Engenho Poço Comprido. Fonte: CECI/nov2008


O uso de materiais e técnicas tradicionais da construção nas intervenções em componentes construtivos de edificações de valor cultural no Brasil ainda é muito tímido. Até os meados da primeira década deste século, os principais divulgadores desse procedimento eram, no Sul do país, Isabel Kanan, arquiteta da 11ª SR/IPHAN (Superintendência Regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), e os professores do Curso Gestão de Restauro do CECI no Nordeste. Contrariamente a essa postulação, o que ainda se verifica em todo o país é o mais amplo emprego de materiais e técnicas antagônicos à história construtiva do edifício. E falo isto com a autoridade de quem verifica anualmente, nas principais cidades históricas do Brasil, os procedimentos de execução de obras e serviços em edificações tombadas pelos poderes públicos federais, estaduais e municipais. O CECI destaca críticas às tais intervenções com materiais e técnicas estranhos às origens das edificações históricas que acarretam o que se denomina de "ruína precoce". Observe-se que, foram os materiais e as técnicas construtivas tradicionais às edificações do passado que fizer elas chegarem à modernidade, e tem sido a inserção de materiais sintéticos que, na maioria dos casos, tem abreviado o tempo de cada conservação de cada um.


O termo "ruína precoce" foi utilizado inicialmente pelo arquiteto e urbanista Dr. Lúcio Costa, em 1947, num parecer sobre o tombamento da Igreja de São Francisco de Assis da Pampulha. Referia-se ele a “certos defeitos de construção e abandono a que foi relegado esse edifício pelas autoridades municipais e eclesiásticas...”.[iv] Embora desconhecendo a constatação do mestre face ao estado de arruinamento precoce daquela edificação moderna, com tão pouco tempo de construção, este autor usou esse termo em 1978 para designar a rápida falência de materiais empregados em algumas obras de restauração nas Minas Gerais e outros estados do Sudeste. É incrível que decorridos tantos anos, verifica-se que as recentes intervenções de conservação e restauro do patrimônio construído situações de colapso antecipado e acelerado das características físico-químicas de certos materiais quer pela impropriedade do seu emprego quer pela qualidade técnica do produto [v].


Jorge Eduardo Lucena Tinoco, arquiteto, professor do Curso de Gestão de Restauro e responsável técnico do CECI.

[i] Analogia tomada do estudo da inteligência de pedagogo Piaget. Veja-se “Psicologia da Inteligência”, PIAGET, Jean. Editora Fundo de Cultura, 2ª edição, Rio de Janeiro, 1961.

[ii] MOITA, José Machado Neto, «O conceito multidisciplinar de Resiliência» [consulta: 20.07.2011] http://www.fapepi.pi.gov.br /novafapepi/ ciencia/documentos/Resili%EAnciaMoita.PDF (acesso jul/2011).

[iii] ARAÚJO, Roberto A. Dantas de. «As Argamassas no Período Colonial». In Aula 20 do Curso Gestão de Restauro,  Técnicas Construtivas Tradicionais no Brasil – TCTB, 7ª edição, Olinda, 2007.

[iv] PESSÔA, José Simões de Belmont. In “Lucio Costa: Documentos de Trabalho”, Iphan, Rio de Janeiro; 1ª edição, 1999

[v] TINOCO, Jorge E. L. «Ruína Precoce». In Conservação Integrada do Patrimônio Construído, [consulta: 12.12.2011]. http://conservacaointegrada.blogspot.com/

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