Trago para discussão o caso dos microrganismos que infestam as cantarias de pedras, principalmente as carbonáticas – calcárias e areníticas (beachrock), que compõem inúmeras fachadas históricas no litoral do Nordeste brasileiro. Particularmente, discuto o estado de conservação das cantarias do antigo Conjunto Franciscano de João Pessoa, espaço que abriga o Centro Cultural São Francisco.
A fachada principal da Igreja de Santo Antônio é grandiosa não só em escala mas pela riqueza dos componentes construtivos em pedras, extraídas dentro do solo da cerca conventual no século XVIII.

Igreja de Sto. Antônio do antigo Convento de Franciscano de João Pessoa - PB.
Essa igreja tem todos os ângulos, contornos e arestas – galilé, o coro e o frontispício, além dos elementos estruturais da torre, as ornamentações em pináculos e coruchéus, esculpidos em pedras por mestres canteiros dentro da linguagem do Rococó, utilizando a gramática das modenaturas e perfilaturas próprias próprias ao Settecento.
Além da fachada, a paredes que delimitam o Adro azulejado é encimado por cantarias que arrematam os topos da paredes e modelam os nichos com os Passos da Paixão de Cristo. Também, um monumental Cruzeiro em "maciço" de cantaria mostram o quanto os artífices da Colônia dominaram as artes mecânicas do uso da pedra na Arquitetura. Pela fartura de calcário quase aflorando à superfície, a cidade de João Pessoa guardou preciosos testemunhos de edificações em cantarias.
Entretanto, ocorre que, no meio ambiente circundante do Centro Histórico, pela proximidade com o oceano e os mangues do estuário do Rio Sanhauá, pululam algas em suspensão, trazidas pelas brisas e pelo aerossol marinho, além de o ar conter muito sal em determinadas horas e circunstâncias do dia. Além de haver um tráfego de veículos à sua frente, inclusive com grandes ônibus estacionado com motores ligados, esperando a visitação dos turistas ao museu instalado no monumento. Assim, as cantarias ficam susceptíveis à colonização e à degradação biogênica (*). Podem-se listar os principais agentes:
Bactérias : certas espécies de bactérias podem metabolizar compostos presentes nas pedras, levando-as ao decaimento. Por exemplo, algumas bactérias que metabolizam o enxofre podem produzir ácido sulfúrico como subproduto, que é corrosivo para as rochas calcárias. Elas são muitas vezes responsáveis pela biodeterioração das cantarias, especialmente em áreas onde há poluição do ar pelo tráfego de veículos à combustão de gasolina e diesel. Esses microrganismos convertem compostos de enxofre em ácido sulfúrico, que então reagem com minerais da pedra, causando sua degradação. Algumas das bactérias que metabolizam o enxofre e que são conhecidas pelos especialistas em conservação das pedras ornamentais são: O Thiobacillus thiooxidans, que é capaz de oxidar enxofre elementar e tiossulfato a ácido sulfúrico. O Sulfobacillus ssp, um gênero de bactéria Gram-positivas , acidófilas e formadoras de esporos que são moderadamente termofílicas ou termotolerantes. Todas as espécies são anaeróbios facultativos capazes de oxidar compostos contendo enxofre. O Acidithiobacillus spp, classificado como parte do gênero Thiobacillus. O Desulfotomaculum spp, bactérias redutoras de sulfato, que convertem sulfatos em sulfeto de hidrogênio. O Desulfovibrio spp, outro grupo de bactérias redutoras de sulfato. Quando esses microrganismos colonizam a superfície das pedras de cantarias, a presença de umidade, nutrientes e compostos de enxofre permitem suas proliferações, causando visibilidade que é confundida pelos leigos e desavisados como pátina. Portanto, é importante que os conservadores estejam cientes da biodeterioração e considerem medidas preventivas, saneadoras, com tratamentos através de biocidas para proteger o patrimônio cultural construído.
Cianobactérias: São microrganismos fotossintéticos que podem formar biofilmes nas superfícies das pedras, conduzindo à sua degradação. Elas também provocam alterações cromáticas, quando alojadas por muito tempo e infiltradas na porosidade das pedras.
Líquens: São associações simbióticas entre fungos e algas ou cianobactérias. Os líquens fixam-se firmemente à superfície das pedras e podem causar danos físicos e químicos. O crescimento dos líquens pode levar à fissuração, esfoliação e perda de material da pedra.
Fungos: Algumas espécies de fungos podem degradar diretamente os minerais da rocha ou os materiais utilizados no restauro das cantarias, como argamassas usadas em enxertos e próteses.
Algas: Assim como as cianobactérias, as algas podem formar biofilmes que descoloram e degradam as pedras, especialmente em ambientes úmidos.
Musgos: Embora menos comuns do que líquens ou algas, os musgos também contribuem no decaimento das pedras, pois retêm a umidade, que pode levar à degradação mineralógica ao longo do tempo.
Todos esses microrganismos operam de várias maneiras, incluindo a produção de substâncias ácidas que dissolvem minerais, as infiltrações pela porosidade e fissuras, formando biofilmes que retêm a umidade e aceleram as degradações. A proteção e conservação de pedras históricas requer um entendimento destes processos biológicos e medidas acautelatórias para controlá-los.

Em razão das dimensões da edificação e do monumento, o método operacional mais eficaz e economicamente viável para sanear as ações deletérias dos agentes patogênicos listados é a limpeza das superfícies através de lavagem. O processo de lavagem vem sendo há muito utilizado por especialistas. Entretanto, ocorre que, quando esse serviço é terceirizado com empresas, profissionais e mão-de-obra desqualificados, os danos são maiores que os causados pelos morbígenos. E isso não é raro acontecer, particularmente no Brasil onde as exigências acautelatórias constantes nos editais de licitações para os serviços serem realizados por pessoal de larga e comprovada experiência não são efetivamente cumpridas.
Assim, criaram-se alarmismos necessários para contenção dos incautos, imprudentes e irresponsáveis, demonizando-se as lavagens, principalmente quando realizadas com água sob pressão. Todavia, desde o uso de névoas, aspersões e borrifações até aos jatos sob baixa pressão controlada, aplicados por especialistas, podem ser soluções seguras para se garantir a integridade do patrimônio tutelado. Note-se que, até mesmo a mais avançada técnica-ferramenta na Limpeza de pedras históricas – o laser, pode causar danos severos à massa pétrea, quando calibradas incorretamente a intensidade do raio versus distância por pessoal desqualificado.
Sucede que, influenciados pelos alardes preventivos e sem aprofundamento no assunto, alguns profissionais renegam, peremptoriamente, o uso dos métodos de lavagem, chegando a subscrever em pareceres que o processo com jato d'água, mesmo com intensidade de baixo impacto, representa desgastes no material do suporte, agressão ao bem, assim como o uso de escovas, mesmo com cerdas de nylon... Mais adiante, também renegam a aplicação de biocidas associados ao adesivo Paraloid em baixíssimas proporções, embasando decisões que, embora seja bem dura e resistente (a pedra calcária), sua cadeia molecular (SIC) pode ser bem frágil, no caso de contato com certos produtos químicos... Desaconselham a limpeza para que não se remova a pátina, afirmando que ... retirá-la, pode representar uma subtração de registros do tempo e proporcionar uma exposição direta da sua matéria às possíveis ameaças danosas de caráter físico, químico e biológico do meio ambiente local.
Especificamente sobre isso, na postagem do dia 18 de junho passado (2023), comentei: o profissional conservador e restaurador experiente acautela-se quando distingue uma pátina do tempo de uma manifestação de danos. Essa observação é importante porque ocasionalmente pode ocorrer de se exigir a manutenção de um agente daninho confundindo-o com uma pátina.
O Curso de Gestão de Restauro, desde as primeiras edições, vem treinando profissionais nos procedimentos de limpezas de pedras, fornecendo o protocolo dos testes progressivos. Entenda-se esse protocolo como uma abordagem objetiva de cautela para identificação das soluções/ferramentas mais adequadas para se atuar na remoção de manifestações daninhas sobre um bem cultural. São exames que seguem um processo incremental, onde os testes são realizados em áreas determinadas e em etapas sucessivas, uma após outra, expandindo-se gradualmente as soluções e associações com ferramentas, deste as mais simples às mais complexas. A abordagem nos testes progressivos pode incluir diferentes tipos de investigações: (a) Testes pela via seca – onde se identificam os instrumentos e as ferramentas menos abrasivas e agressivas para se obter o êxito desejado; (b) Testes pela via úmida – onde são aplicadas soluções as mais simples como a água, saliva, até as mais complexas, concentradas com o intuito de identificar a mais eficaz na solvência com um mínimo de risco ao bem cultural; (c) Testes híbridos ou mistos – onde são realizados procedimentos da via úmida associada às ferramentas da via seca. Por analogia, pode-se dizer que a aplicação de testes progressivos é um tipo de taxonomia de aprendizagem.

(*) AMOROSO, Giovanni Giuseppe et FASSINA, Vasco in Stone Decay and Conservation - Atmospheric Pollution, Cleaning, Consolidation, and Protection. Elsevier, 1983.
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